terça-feira, 7 de junho de 2011

Contos Sujos - Flávia Dupont - Parte 3


Se você não está acompanhando este conto, leia as duas primeiras partes logo aqui em baixo. Se está, manda bala na última!

Comprou passagem só de ida para meus sonhos. Nas raras vezes que a via pela universidade, meu coração batia forte, minhas pernas tremiam. Até que seis meses depois tive, inesperadamente, meu primeiro contato com Flávia. Eu costumava ficar na porta da universidade pedindo caronas para voltar para casa.

O dia estava com uma bela tarde ensolarada, passarinhos cantavam nos bosques da universidade. Estava eu com meu dedo apontado para o lado, encarando todos os motoristas que passavam com uma expressão de leve tristeza, às vezes necessária, eu acredito, para que oferecessem carona. Foi então que Flávia apareceu, num Ford K preto. Ela estava simplesmente linda dirigindo aquele carro.

Transmitia uma imagem de mulher segura, resolvida. Ela se aproximou do portão, parou o carro e acenou para mim. Ah! Que felicidade! Pena que aquele momento foi abstrato demais para ser fotografado. Eu entrei no carro, quase não acreditando que aquilo estava acontecendo. Eu sorri para ela, e começamos a conversar.

“Obrigado pela carona”, eu disse.
“Ei, vamos lá. Como você se chama?”
“Meu nome é Roberto. E o seu?”

Eu não sabia seu nome até então. Fui descobrir seu sobrenome dias depois, pesquisando na internet a lista de aprovados no vestibular do ano em que ela o prestou. Mas, continuando...

“Flávia. Você faz o quê aqui?”
“Letras. E você?”
“Estatística. Estudamos coisas bem diferentes, an?”
“(Risos) Pois é. Eu lembro de você passando perto da minha faculdade...”

Fomos conversando durante toda a viagem. Ela era, além de bela, muito culta. Conversamos sobre livros. Pela primeira vez a coisa parecia sair do platonismo e tomar uma dimensão real. Ela estava ali, ao meu lado, conversando comigo. Falávamos um pouco sobre nossas vidas de estudante, sobre perspectivas para o futuro. Foram os quinze minutos mais esperançosos de minha vida. É uma pena que eles passaram tão rápido, e eu não pensei numa desculpa para seguir viagem com ela. Ela perguntou:

“Onde você desce? Daqui eu vou pra esquerda.”

Estávamos num trevo. Eu costumava descer por ali, pois minha casa era para a direita. Mas por que eu não menti? Seria tão fácil. Respondi, ingenuamente:

“Eu fico aqui mesmo.”

Pronto, o sonho acabou. Nós nos despedimos, eu desci do carro e nunca mais a vi. Aposto que você, leitor, estava esperando um final bem melhor do que este. Mas essa é a verdade. Você pode me criticar por não ter conversado com Carla Soares ao invés de achar que ela ia se assustar, ou por não ter tomado uma atitude mais relevante quando tive a oportunidade de conversar com Flávia Dupont.

Talvez se eu tivesse escolhido ir para a esquerda poderia prolongar a conversa até conseguir um telefone, ou intimidade suficiente até para convidá-la para um evento qualquer, uma peça de teatro, uma sessão de cinema, uma coca-cola na padaria. Mas o mundo não gira em torno do “talvez”.

Talvez você deva aprender com meus erros e se tornar frio e calculista. Não se apaixone por ninguém, não se case, não veja comédias românticas e não leia livros do Romantismo. E não vou dizer meu nome completo, pois não quero que fãs inconvenientes me mandem cartas e e-mails fazendo piadas e declarações de amizade. Estou tentando esquecer Flávia Dupont através desse desabafo. Oh! Como ela era linda...

Notas do Narrador Onisciente

Então Roberto começou a chorar sobre a mesa. O Romantismo permanecia dentro dele, apesar de ele renegá-lo. Terminou seu desabafo com a frase: “Seguindo a lei do mais forte, naturalmente eu perdi a disputa.”

Arthur Viggi

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