terça-feira, 21 de junho de 2011

Contos Sujos - Diálogo com a Morte - Parte 2


Se você não está acompanhando este conto, a primeira parte está logo aqui em baixo. Se está, manda bala na segunda!

O Barman, que estava agora limpando alguns copos, parou pacientemente e se virou novamente para Marcelo.

Barman: Olha, Marcelo, não existem mentiras desse lado. Você está morto mesmo. Sofreu um acidente de trânsito quando ia para a faculdade. Sinto muito, o que posso fazer agora é lhe conduzir ao Julgamento.

Marcelo: Julgamento? Que Julgamento?

Nesse momento Marcelo se beliscou várias vezes e até chutou uma cadeira para certificar-se de que não estava sonhando. Então, começou a chorar.

Marcelo: Como assim eu tô morto? Não é possível, eu sou muito jovem pra isso. Nem aproveitei a vida direito. Estudei pra cacete. Não faço mal a ninguém. Não posso morrer agora.
Barman: Mas você já morreu. E além disso, você vai se acostumar com este lado. Aqui não existem mentiras, nem lugares, nem dinheiro, nem desigualdade social, nem filósofos e nem advogados.
Marcelo: E quem é você afinal?
Barman: Não faça mais perguntas, por favor. As pessoas nunca gostam de mim depois que sabem quem eu sou.
Marcelo: Eu insisto. Você é minha única companhia nesse lugar e quero saber quem é você.
Barman: Tudo bem. Vou dar uma dica: meu nome começa com “M”.
Marcelo: Maluf?
Barman: Não, seu idiota! Eu sou a Morte. Sou o responsável por pegar as pessoas que estão vivas e levar para o Julgamento.
Marcelo: O que? Então foi você quem me trouxe até aqui?
Barman: Sim.
Marcelo: Seu cafajeste. Como pôde?
Barman: Eu te disse que ninguém gosta de mim. Por que insistiu em saber meu nome?

Marcelo sentou-se em uma das cadeiras e finalmente começou a beber o coquetel.
Estava agora fechado e cabisbaixo. O homem prosseguiu com a conversa:

Barman: Olha, as pessoas morrem, e a morte não tem idade. Você deve saber muito bem disso. Contente-se com a vida que teve e aceite o papel que está assumindo agora. Quanto mais facilitar as coisas, mais rápido sairá daqui. Deixe-me fazer meu trabalho.

Marcelo, que estava olhando pro chão e bebendo o coquetel, voltou a falar:

Marcelo: Mas você falou em Julgamento! E se eu for pro inferno?
Barman: Aqui não existe nem céu nem inferno. Nosso julgamento não é o julgamento que vocês usam na Terra. Aqui não existe Constituição, todas as pessoas já pagaram pelos seus erros quando estavam vivas. O Julgamento é um evento simbólico que representa o fim da vida e a plenitude da paz. Sem cadeias, sem advogados. No seu planeta as pessoas mais ricas utilizam seus recursos para acumular ainda mais recursos, sem se preocupar com a exploração da mão-de-obra, com as florestas e com o que vocês chamam de Lei. No final elas acabam se afogando na própria ganância. A sentença da Terra é o ódio e a rejeição. Aqui a sentença é a paz. As pessoas caminham juntas, sem distinção de classes. É uma versão transcendental do que vocês chamam de comunismo.

Marcelo: Entendi. Mas então quer dizer que as religiões estão erradas?

Barman: As religiões são uma má interpretação da idéia de Deus. Toda instituição humana tem corrupção e abusos, e a Igreja não é diferente. Ela se mistura com a política e costuma ter os mesmos interesses dos mais poderosos. Reproduz a lei dos homens na lei de Deus. Fala como se aqui existissem cadeias e cadeiras elétricas. Mas isso não se aplica, é claro, a todas as pessoas que participam dela. No entanto, as pessoas devem ter senso crítico. Devem ajudar aqueles que se mostram merecedores de ajuda. A solidariedade sem mediações é a melhor forma de entrar em contato com Deus, e muitos não percebem isso. Preferem procurar instituições burocráticas como a Igreja para alimentar seus espíritos. O conceito de Deus vai muito além do conceito de instituição. O homem, por si só, já carrega bondade, moral e ética dentro de si. Não é preciso ter uma religião para saber os mandamentos de Deus. Os mandamentos estão na genética humana. Quando somos amigos, compreensivos e benevolentes uns com os outros, a vida naturalmente nos devolve as coisas boas que semeamos. E quando fazemos o contrário, ela nos devolve o contrário. Aqui as pessoas equilibram seus instintos com a razão e assim encontram o verdadeiro caminho da felicidade. Sem igrejas, sem dinheiro, sem posses.

Marcelo: Hummm... Muito interessante. Então quer dizer que é impossível ser feliz na Terra? Pois lá coisas como a posse sempre irão existir...
Barman: Não é impossível. Na verdade nem é tão complicado ser feliz. Porém no seu planeta existe o capitalismo, e não se pode simplesmente ignorá-lo. O homem se torna corrupto quando se trata de poder e de dinheiro, e o sistema econômico de vocês nunca vai mudar. O que eu penso é que você pode fazer mudanças em sua própria realidade, sem ter que apelar para o sistema, que é muito burocrático. Então, te aconselho a ajudar o próximo seguindo os mandamentos que estão impressos nos seus genes. Não se meta com a política, mude o que está ao seu alcance e aí você descobrirá a felicidade.

Continua...

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