terça-feira, 21 de junho de 2011

Contos Sujos - Diálogo com a Morte - Parte 1


Marcelo Freire tinha 28 anos de idade. Era jovem demais para morrer, mas, infelizmente, já estava quase morto. Estava indo para a faculdade numa noite de segunda-feira quando atravessou uma rua de mão-dupla, com o sinal fechado, e por descuido olhou somente para um dos lados. Era estudante de Direito e tinha se formado em Filosofia, mas trabalhava como carteiro.

Estudava agora para ser advogado e ganhar o dinheiro que não ganhou como filósofo, deixando o emprego de carteiro de lado. Foi atropelado por uma ambulância que estava sem nenhuma emergência no momento, e, portanto não passou com a sirene ligada. É até irônico alguém morrer atropelado por uma ambulância. Marcelo sempre teve medo do trânsito e na maioria das vezes esperava o sinal verde para atravessar a rua.

Mas desta vez estava atrasado para a primeira aula e nem olhou para o semáforo. Ele pensava muito sobre a quantidade de vezes que quase somos atropelados no trânsito, e definitivamente não considerava essa uma forma nobre de se morrer. Concordo com a visão do quase-morto, acredito que o Ministério da Saúde fará no futuro uma campanha contra os atropelamentos no trânsito.

As multas passarão a vir com uma advertência atrás, com mensagens do tipo: “Atravessar causa impotência” e “Dirigir pode causar dependência física e psíquica”.

Foi então que Marcelo se viu numa praia paradisíaca. Estava muito próximo do mar. As ondas quebravam e a água chegava sutilmente até seus pés. O céu estava muito limpo e o sol quase se pondo. Não via ninguém e nada além de água, areia e uma cabana no fundo da paisagem. Resolveu ir até lá pedir informações.

Chegando lá, encontrou um homem alto, vestido de terno preto e com um chapéu inclinado. A cabana tinha garrafas de todos os tipos de bebidas que se pode imaginar, e o homem estava misteriosamente preparando um coquetel em um lugar deserto como aquele. Marcelo interrompeu-o:

Marcelo: Com licença. Onde a gente está?
Barman: Nós não estamos em lugar nenhum. Não existem lugares aqui desse lado.
Marcelo: Como assim? Eu tenho que ir pra faculdade. Me diz como eu chego no Centro da cidade.
Barman: Aqui desse lado não existem cidades. Estamos esperando o barco, tenha paciência.

O Barman serve o coquetel a Marcelo.

Marcelo: Você é um cara muito estranho. Vamo falar com clareza aqui. Eu quero saber agora como eu chego no Centro da cidade. Tô atrasado, pó. Pára de me enrolar e fala logo, por favor.
Barman: Esse lugar não tem saída. Sente-se aí e fique a vontade. A única saída é através do barco.
Marcelo: Como assim não tem saída? Todo lugar tem uma entrada e uma saída, a não ser que a gente esteja numa ilha.
Barman: Nós estamos numa ilha. Se chama ilha do Alem.
Marcelo: Ah, tá. E por acaso eu estou morto?
Barman: Bom... sim.
Marcelo: Eu só posso tá sonhando.

Continua...

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