domingo, 18 de janeiro de 2015

Auschwitz e o Café Corporativo




O relacionamento profissional é algo estranho. Os colegas de trabalho estão reunidos em equipe, em prol de um interesse comum. Mas isto não quer dizer que haja amizade entre eles. Aliás, não é nem recomendável que exista amizade no trabalho, por uma questão de bom senso. Eu me recuso terminantemente a me envolver com as pessoas no dia a dia profissional. “Boa tardes” e “tudo bens” já são bastantes. Polêmicas corporativas até caem bem de vez em quando, se você tiver empatia com o insurgente. Alguns comentários de corredor também são válidos. Mas amizade, amizade, não. Amizade e trabalho são como água e óleo. Os problemas de uma esfera afetam a outra decisivamente. Portanto, têm que ser separadas.


Lembro-me bem de meu primeiro emprego, num ambiente muito fraternal e descontraído. Havia um contingente de mulheres que compunham uma panela indelével. A panela, a propósito, era tanto figurativa quanto literal, pois uma das meninas era cozinheira e fazia almoços coletivos na cozinha, como numa república. 
Uma outra usava o telefone da recepção como um orelhão. Fazia longas DR’s e contatos pessoais. Havia também churrascos freqüentes de confraternização. Resultado: a fofoca comia solta; conflitos eram recorrentes; vi colegas cortarem relações por brigas mesquinhas.


Eu mesmo tive problemas, e quando mudei de emprego, 5 meses depois, senti um alívio emocionante. Agora adoto uma conduta anti-social, da qual me orgulho. Já auferi a fama de funcionário “que não dá idéia pra ninguém”. E sou respeitado por isso. Ou pelo menos criticado pelas costas, o que não deixa de ser uma forma de respeito. 
Existem, no entanto, momentos de sofrimento protocolar. E o maior deles é na hora do café corporativo. Vou até a cozinha por uma necessidade fisiológica. Tudo que eu desejo é comer meu pão com manteiga e sair fora. Mas acabo me deparando com brincadeiras, risadas, sorrisos envernizados e conversas clichê.


Se tem um momento em que me sinto uma puta, é no café corporativo. Sinto-me traidor de mim mesmo. Sinto-me um deputado do PMDB. Pois me rendo, afinal, aos protocolos corporativos. Devolvo os olhares, faço piadas incidentais. Abro sorrisos de botox, sou gentil de uma forma que não gostaria de ser. Eu converso.



O café corporativo é como Auschwitz. Não importa os que estão a sua volta. São todos kapos, soldados da SS ou judeus egoístas batalhando por uma ração diária de pão. E você tem que respeitar os comandos protocolares para ganhar o seu quinhão. Tem que se investir numa persona, quando o que realmente importa é apenas o pão com manteiga; a sobrevivência; a ausência de sociabilidade.

Arthur Antunes

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