terça-feira, 7 de junho de 2011
Contos Sujos - Flávia Dupont - Parte 2
Se você não está acompanhando este conto, a primeira parte está logo aqui em baixo. Se está, manda bala na segunda!
Comecei a estudar seus hábitos e percebi que ela sempre passava pela rua por volta mais ou menos de meio-dia. Então comecei a passar pela rua a esta mesma hora. Nos cruzamos algumas vezes, e em uma delas eu me senti altamente sedutor, levando em conta o sorriso que ela dirigiu a mim. Mas o contentamento não durou muito. Ouvi ela falando com alguém, me virei de costas e pude avistar seu namoradinho engomado.
Tenho que admitir que ele era bonito e tinha mais cabelo do que eu. Mas por que o maldito foi aparecer para atrapalhar a minha vida? Tudo fazia parte do plano, talvez. Eu iria ter que esperar somente mais alguns dias até que a linha torta do destino fosse corrigida e ela caísse nos meus braços. Mas isso jamais aconteceu. Depois disso rasguei tanto o livro do Machado de Assis quanto o do Paulo Coelho.
Logo depois conheci a terceira garota. Era Renata Sobrado. Linda, olhos castanhos, cabelos cacheados, sorriso encantador e corpo curvilíneo. Essa foi a primeira garota pela qual eu me apaixonei dentro da faculdade. Oh! Como a faculdade pode ser um lugar tão rico de mulheres lindas que não te dão a mínima! Renata era sublime, delicada, tinha um ar de seriedade que conquistava até os professores. A propósito, eu não a conheci. Mas quem precisa conhecer quando se está apaixonado?
Eu sou estudante de Letras e ela, de História. Fizemos uma disciplina juntos - eu me matriculei na disciplina apenas para ter o prazer de vê-la todas as terças-feiras - e foi uma verdadeira tragédia. Você deve até achar engraçado eu não ter a conhecido, mas eu posso me defender contra qualquer crítica. Apesar de estarmos na mesma sala, eu nunca consegui uma situação apropriada para abordá-la. Quando eu chegava antes dela, ela nunca se sentava perto de mim. Quando eu chegava depois, todos os lugares em volta dela já estavam ocupados. E mais: ela tinha um amigo gay, insuportável, não pelo fato de ser gay, mas pelo fato de ficar o tempo todo colado nela.
E como falava, o sujeito. Certa vez consegui me sentar atrás dela. Fiquei tão feliz! Até mexi em seu cabelo sem que ninguém percebesse. Depois aproximei meu rosto para tentar sentir o cheiro de seu perfume. Sublime! Nunca imaginei que alguém pudesse ser tão sexy, mesmo falando sobre Adam Smith. Renata falava sobre "A Riqueza das Nações" naquele seminário, enquanto eu me imaginava deitado com ela na cama com o livro de Smith jogado no chão. Na minha apresentação, fiquei tão nervoso com o fato de Renata estar me observando que gaguejei veementemente no discurso sobre o modo de produção socialista.
Vocês tinham que me ver falando: "Então, o Karl Marx escreveu... escreveu... escreveu...". Bom, a esta altura o ano já estava terminando e não tive nenhuma boa oportunidade de conhecê-la. Droga! As férias chegaram e eu consegui tirá-la da cabeça depois de muitas despesas com revistas masculinas.
A quarta e última garota antes de Flávia Dupont foi Carla Soares. Carla era tão incrível quanto as outras, porém tinha o adicional de ser rica. Não que eu seja interesseiro. Mas é importante deixar claro esta sua característica para mostrar a você, leitor, a dificuldade que é se relacionar com uma mulher de um nível sócio-econômico diferente.
Não estou dizendo que ela fosse interesseira e tampouco que isso seja uma desculpa para eu não ter conquistado-a. Porém, nós pertencíamos a universos totalmente diferentes. Enquanto ela morava num condomínio fechado, numa casa que teria provavelmente uns 40 metros de frente, 3 andares e um jardim com um monumento em homenagem a seu avô, eu morava numa casa que não tinha sequer um interfone.
casa estava no intermédio do Centro com a Periferia, não tinha nenhum monumento e tampouco meu avô foi alguém importante. Ele era descendente de italianos e abriu uma pizzeria que nunca vendeu pizza alguma. Quando eu tinha 7 anos de idade fui descobrir que na verdade não era uma pizzeria, e sim um bar. Paolo, meu avô, era um sujeito esperto, malandro, e teve a infeliz idéia de colocar uma placa na porta do estabelecimento anunciando “Pizzeria do Paolo”. Os casais entravam procurando uma boa refeição e encontravam bêbados e uma mesa de sinuca.
O negócio, é claro, não durou muito tempo. Mas, voltando a Carla, como é que eu chamaria a atenção de uma garota como aquela, linda, maquiada, produzida e com tudo o que você quer conquistar, mas que já nem passa mais pela sua cabeça de tão utópico que se tornou? Eu era só um estudante de Letras que sonhava em ter uma casa própria e um carro que conseguisse sair da garagem. Carla era uma estudante de Medicina que tinha tudo o que eu nunca vou sonhar.
E ainda por cima era estudante de Medicina! Combinou seu poder econômico a sua inteligência para ganhar mais dinheiro do que já tem, enquanto eu estudo para no máximo ser um professor de inglês que vai dar a ela aulas particulares, e depois ser trocado por outro devido ao fato de ela não ter gostado da minha dicção. Oh! Mas não vamos continuar relativizando tudo, não é mesmo, leitor? Aposto que você se identificou comigo e torce para que eu lhe conte que pelo menos quase consegui conquistar Carla Soares. Mas foi impossível, mais impossível do que conquistar Renata Sobrado. Eu até tentei fazer Anatomia só para poder falar que, no mínimo, já fui da mesma sala que Carla.
Porém, quando fui até o departamento de Medicina pedir uma vaga eles não aceitaram meu pré-texto. Eu disse que queria fazer a matéria pelo fato de estar trabalhando em um projeto de monografia que discorreria a respeito da relação entre a postura de Carlos Drummond de Andrade em sua cadeira e o sucesso de suas obras. Fui ridicularizado no departamento, e saí de lá desiludido. Eu costuma ver Carla apenas uma vez por semana, quando ela esperava seu carro com motorista particular. Uma vez até pensei em abordá-la, puxar assunto e ver se ela iria corresponder. Estava sozinha na calçada, esperando, com uma expressão amena.
Até parecia, por um momento, que ela fosse uma garota normal, no sentido de não ter um carro com motorista particular. Mas hesitei em me aproximar temendo que ela entendesse aquilo como um assalto. Assim termina minha história com Carla Soares. Ela, que provavelmente nem sabe da minha existência, e eu, que fui platonicamente apaixonado por ela até conhecer Flávia Dupont.
Flávia estudava Estatística. O departamento de seu curso se localizava próximo ao meu, sendo que os dois eram conectados por algumas escadas e morros. Eu a vi duas vezes passando pelo departamento de Letras, e nossa, como ela brilhava! Sem que eu percebesse, seu rosto se alojou em minha memória.
Continua...
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