domingo, 5 de junho de 2011
Contos Sujos - Flávia Dupont - Parte 1
Flávia Dupont
Notas do Narrador-Personagem
Flávia Dupont era linda. Ruiva, cabelos lisos, curtos e caindo nos olhos, com um rosto fino e encantador. Tinha um corpo magro, porém marcante. Não era seca como uma modelo, nem exageradamente torneada como uma dançarina de funk. E eu, tão inocente, fui me apaixonar por ela. Como um sujeito absolutamente comum como eu poderia ter alguma chance com uma mulher dessas? É o tipo que ilumina o ambiente, inspiradora, encantadora. Ah! Meu maior defeito é ser tão sensível e romântico. Apaixonei-me por tantas mulheres na vida que você não iria acreditar se eu entrasse em detalhes.
Quando eu tinha 10 anos de idade me tive uma queda pela Christiane Torloni. Todas as noites ligava a TV pouco antes da novela, esfregava as mãos e as encostava na tela do aparelho com a esperança de ser sugado pra dentro da novela. Não me lembro porque diabos fazia isso, mas enfim, é a verdade. Sempre fui um cara platônico, somente agora estou abandonando o Romantismo para cair na realidade cruel. A única vez em que consegui conquistar uma mulher pela qual eu tinha me apaixonado foi há 4 anos atrás.
Não sei se você consideraria esse um caso legítimo de conquista, pois a mulher era na verdade uma dançarina de um clube noturno e, nas horas vagas, atuava como prostituta para complementar seu cachê. Sim! Eu paguei-a para ficar comigo. Mas quem é você, leitor, para dizer que isto não é legítimo? Você não consegue enxergar que o mundo é movido por interesses? A arte da sedução está corrompida, não existe jogo limpo. Tudo bem que Paula Bonaventura riu da minha cara depois que eu abri o jogo e me declarei para ela.
E ainda me devolveu um comentário humilhante. Ela disse: “Você não me pagou o suficiente para que eu me case com você, meu bem”. Depois de vários encontros, quando minha poupança já estava zerada, ela teve a coragem de me dizer tal ofensa. Voltei para casa aos prantos, prometendo nunca mais me apaixonar. Mas foi em vão. Apaixonaria-me ainda mais quatro vezes, antes de ter a visão ofuscada pelo brilho de Flávia Dupont.
A primeira delas foi Suzanna Reis, com seus 1,80 metros de altura, olhos claros, cabelos louros e lisos, uma boca incrivelmente carnuda e um corpo esculpido por um arquiteto que provavelmente tinha pós-doutorado. Eu a conheci no terceiro ano, em uma sala que tinha 20 homens igualmente fissurados pela garota. Ela era do tipo que arrancava suspiros poéticos em todos os lugares que passava. Digo suspiros, mas se trata de um eufemismo, obviamente.
Em todos os corredores podia-se ouvir comentários vulgares e maldosos a respeito dela, tais como "Suzanna é muito gostosa" ou "Que rabo!". Ela costumava se sentar numa das primeiras carteiras, enquanto eu me sentava mais ao fundo, perto de amigos a quem todos consideravam uns babacas. Acredito que eu não era tão criticado quanto meus amigos, pois tinha contato com vários outros colegas que não eram do meu grupo.
Tudo bem que a maior parte dos contatos era feita quando algum deles precisava de alguma coisa, mas não precisamos considerar isso, certo? Bem, mas o fato é que a garota estava lá, linda, e eu me apaixonei por ela. Ela me lembrava a Sharon Stone no filme "Instinto Selvagem", principalmente quando vinha para a aula de saia. Eu tinha arrepios quando me lembrava da cena em que Sharon cruzava as pernas, sem calcinha, e em seguida imaginava Suzanna fazendo a mesma coisa, o que me dava arrepios em dobro. Você já teve aquela sensação de que vai se dar muito bem com uma garota antes mesmo de tê-la conhecido? Eu senti isso muitas vezes na minha vida, e em todas elas acabei dando mal.
De agora em diante não acontecerá mais, eu posso lhe assegurar. Mas, enfim, Suzanna gostava de conversar com suas amigas na hora do intervalo, no corredor da escola. Uma vez eu consegui encontrá-la sozinha, mas não sabia como lhe chamar a atenção. Então tive a péssima idéia de cair no chão propositalmente, na vã esperança de que ela me ajudaria a levantar. Ao invés disso, ela olhou para mim com uma expressão absolutamente indiferente, e entrou na sala. Mas tenho certeza de que ela tentou se comunicar comigo através de expressões faciais. Captei uma mensagem mais ou menos assim: "Você é um babaca".
Oh, meu Deus! Como mudamos em tão pouco tempo. Hoje em dia nunca agiria de forma tão palerma por causa de uma mulher. Com o passar dos anos, vamos nos desiludindo cada vez mais. Acho que quando eu tiver 50 anos, provavelmente não estarei casado. Provavelmente nunca vou deixar de ser solteiro. Vou atingir os 50 anos frequentando bares de quinta categoria, conversando sobre pessoas que passam na rua ou sobre jogos de sinuca.
Vivendo de aposentadoria e tomando pinga todos os dias, vou ter bastante tempo para não desperdiçar com as mulheres. E o melhor de tudo é que, quando eu tiver essa idade, todas as mulheres que me ignoraram vão estar feias e acabadas, com rugas, filhos e seios caídos.
Prosseguindo, a segunda garota foi Fátima Cardoso. Linda, olhos escuros, cabelos castanhos e cuidadosamente alisados, pernas bem torneadas. Admiro seus pais pela qualidade do produto final. Fátima carregava consigo um ar de adolescente de bons costumes. Parecia ter saído de um livro do Romantismo, bem do jeitinho que eu gostava. Eu li "Helena", do Machado de Assis, na época em que a via passando na rua em que eu morava.
Inocentemente, associei esse livro a um outro livro do Paulo Coelho. O resultado foi que eu achei fazer parte do meu destino conquistar aquela garota e passar com ela o resto da minha vida. A garota tinha se mudado recentemente para a minha rua e eu podia a ver passando pela janela do meu quarto. Mais uma vez, era uma mulher que não passava despercebida em lugar nenhum. Certa vez ela passou pela rua quando um menino de uns 13 anos de idade descia de bicicleta. A rua se tratava de uma pequena elevação com curvas.
Bem, o que acabou acontecendo foi que menino cruzou com Fátima e fixou os olhos nela por um tempo. Esse intervalo de tempo foi suficiente para que ele subisse com a bicicleta na calçada e depois descesse um escadão com 80 degraus. Ainda assim, acredito que permaneceu com os olhos fixos em Fátima.
continua...
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