Nelson Rodrigues é uma figura impregnada na cultura nacional. Considerado reacionário do ponto de vista político, mas revolucionário nos campos da moral, da intelectualidade, da arte e da sexualidade. Creio não ser recomendável passar por este mundo sem conhecer pelo menos um pouquinho de sua ousadia.
Sua
obra é um escarro de originalidade. O teatro, como conhecemos hoje, foi
inventado por ele. A dramaturgia, como espelho da sociedade, foi personificada
por ele. Procure uma frase de Nelson e você encontrará um provérbio, tamanho o
número de inferências que você poderá tirar dela.
Nelson
era uma pessoa que se confundia com o personagem que criou de si mesmo. E, este
por sua vez, se confundia com os personagens que criava nas crônicas e
histórias. Nelson foi visceral, apaixonado. Não era boêmio, mas se embriagava
de vida. Não era um depravado (ou se foi, era-o de forma saudável), mas
usufruiu de sua sexualidade com a tenacidade de um anti-herói.
“O
Anjo Pornográfico” é um livro fantástico. Ruy Castro, seu progenitor, parece
ter nascido para retratar o biografado. Nostálgico por essência, o autor
atingiu o clímax de empatia necessário à transcrição da figura humana de Nelson
Rodrigues. O livro nos remete não só ao personagem de Nelson; antes de qualquer
coisa, nos apresenta o cenário nacional do princípio do século XX, com a
ascensão de Mário Rodrigues, o patriarca da família, à imprensa carioca.
Depois,
nos faz mergulhar no contexto fraternal dos irmãos de Nelson, muitos deles
também peculiares no meio jornalístico. A propósito, o livro tece com
eficiência o retrato do grande Mário Filho, um dos maiores patronos do futebol
brasileiro, figura que comercializou, popularizou, reproduziu, incentivou e
catapultou o esporte.
A
prosa despojada, aliada ao ferrenho trabalho de pesquisa desenvolvido pelo
autor, derivou um grandioso trabalho que, como toda boa biografia, leva o
leitor a pensar sobre sua própria existência. Não há resultado diverso quando
se reproduz a essência de um ser humano, de forma detalhista e visceral, em
seus vários papéis. Nelson Rodrigues foi filho, irmão, jornalista, dramaturgo,
esposo, adúltero (como seus personagens), pai de família e transgressor de uma
forma que muitos gostariam de ser (e eram) nos anos 50 e atualmente. A
diferença é que, à época de Nelson, a sociedade rígida e moralista não estava
preparada para que lhe jogassem na cara a libertinagem que se consente hoje em
dia.
Arthur Antunes
Arthur Antunes